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*Bruno Vargas (Dollee). |
Estou aqui para falar do Japan Project, o evento que, embora não pareça, uniu pessoas ao
realizar a maior contradição cultural da cidade de Bagé. E não estou exagerando em ponto algum, me explicarei nas próximas linhas:
Quando falo da maior contradição cultural, é pura verdade. De todas as atividades culturais que aconteceram e acontecem na cidade de Bagé, a japonesa é a única que uma multidão de crianças e adolescentes viveram e cresceram sozinhos com ela. O pessoal do rock tinha sua tribo, o pessoal do nativismo, o pessoal da religião, o pessoal dos carros, os skatistas, enfim, os movimentos culturais todos agrupavam uma certa quantidade de pessoas enquanto o pessoal adorador da cultura japonesa continuava excluído da sua própria gente.
E não é difícil de se entender. Quer dizer, milhares de crianças que assistiam séries incríveis como Jiraya, Jaspion, Jiban, Comando Estelar Flashman e O Menino Biônico, acabaram se tornando adultos. Depois que cresceram, ficaram na deles, eles e suas saudades. Se você conversar sobre Jiraya com um adulto, terá sérias possibilidades de receber uma aula sobre a série.
Enquanto o pessoal se tornava adulto, eu descobria um tipo de desenho diferente na tv. Um desenho que me fazia ter uma vontade incontrolável de assistir o próximo episódio. Os personagens tinham carisma e um existencialismo que eu nunca havia visto em outros desenhos. Eles evoluíam, começavam fracos e iam se fortificando fisicamente e mentalmente conforme o tempo. O tal desenho era um anime chamado Dragon Ball. Minha geração assistiu Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco, Shurato, Rockman, Fly, Esquadrão Especial Winspector, Solbrain, Kamen Rider Black RX, etc.
Uma outra geração conseguiu pegar da internet muito mais do que víamos na tv. Na verdade acho que é meio confuso dizer que a geração que descobriu o japão pela internet foi/é uma geração distinta das outras. Com a internet nós todos conseguimos tudo aquilo que gostávamos quando mais novos ao mesmo tempo que descobrimos coisas novas. A cultura japonesa passou a ser explorada em todos os pontos, nosso conhecimento ficou além dos animes e tokusatsus. A ampliação foi tanta que não será nada incomum se você avistar um samurai visual kei brasileiro cantando a música de abertura do Dragon Ball Z.
Bom, voltemos ao início da conversa. Até 2006, os bageenses que apreciavam a cultura pop e/ou cultura histórica japonesa, costumavam ir aos eventos em Porto Alegre ou outras cidades, caso quisessem interagir com os chamados otakus. Eu mesmo fui em dois eventos antes do surgimento do Japan Project.
O Japan Project conseguiu reunir todo esse pessoal que nem sabia que poderiam existir outras pessoas assim como eles. Umas bem diferentes das outras, em muitos casos, mas com praticamente os mesmos objetivos. E numa cidade tradicionalista até demais, começou a aparecer jovens “esquisitos”, “esquisitos” e unidos. Por isso que o Japan Project foi a maior contradição cultural da cidade de Bagé.
No meu caso, tudo começou quando eu estava num evento de anime em Porto Alegre conversando com um carinha que vendia camisetas. Quando eu disse que era de Bagé, ele me disse “Ah sim, vai ter um evento lá também agora”. Claro que neguei essa informação. Um evento de cultura japonesa em Bagé? Nem em sonho eu teria imaginado isso.
Mas a informação do carinha que vendia camisetas era verdadeira. Depois do primeiro Japan Project eu li no jornal a notícia e pessoas me falaram sobre. Aí pensei: “Uau, o pessoal que fez isso com certeza tem coragem de sobra. Isso é histórico”.
*Cronista e poeta bageense.